sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

História do Contrabaixo


por Nilton Wood
Onde tudo começou

O domínio do grande contrabaixo acústico como única possibilidade para a emissão de sons graves durou até 1951. A partir desse ano, tudo mudaria com a invenção do primeiro baixo elétrico da história, idealizado por Leo Fender (a esquerda).
A ciência que estuda a origem e a evolução dos instrumentos musicais é a organologia. Já a que se dedica à escrita é a organografia. Por meio delas, foi possível reconstruir a história de diversos instrumentos, com maior destaque para os de sopro, percussão e teclado. Isso porque eles possuem registros mais precisos. Mas os de corda, como o violino e o violoncelo, carecem de maiores informações.
Um ponto de comum acordo entre os historiadores é o de que os luthiers guardavam, a sete chaves, todo o processo de criação deles. Muitos, aliás, nunca tomaram nota do tipo de madeira ou verniz que utilizavam nessas construções. Pois era de desejo deles que tais conhecimentos jamais fossem divulgados.
Então inúmeros segredos da confecção de verdadeiras obras de arte foram para o túmulo com esses artesãos. Nesse contexto, enquadram-se principalmente aqueles instrumentos produzidos com a função de emitir notas mais graves.
Os registros mais rudimentares datam do século XIII, na segunda metade da Idade Média, aproximadamente no ano de 1200. Os primeiros exemplares conhecidos, que apontam o nascimento do moderno contrabaixo, encontram-se vinculados à família das “violas”. E eles são divididos em dois grupos: as de braço e as de perna.
Naquela época, o nome gige era usado para denominar tanto a rabeca, instrumento de origem árabe com formato parecido com o alaúde, quanto o guitar-fiddle, espécie de violão com formato parecido com o do violino.
Em vários países da Europa, principalmente na Alemanha, os instrumentos que eram tocados com arco tinham o nome de gige. De acordo com sua sonoridade, eram classificados em grande ou pequeno.

Os Primeiros Contrabaixos


Os registros organográficos informam que a música executada nessa época era simples. Em muitos materiais escritos, para ter uma idéia, as partes se limitavam apenas a duas ou três. Em virtude dessa restrição, o número de notas que era utilizado era relativamente pequeno, o que ocasionava um registro bastante reduzido de notas. Por volta do século XV, as partes que constituíam a música naquele período aumentaram para quatro vozes. Mais ou menos em 1450, passou-se a usar o registro de baixo, que foi uma verdadeira inovação. A falta dele era muito reclamada pelos compositores. Pois muitos achavam que sua música soava com timbres bastante agudos. Uma forma de contornar tal problema foi dividir os instrumentos em registros diferentes. No entanto, os resultados obtidos não foram satisfatórios. Uma vez constatado tal obstáculo, surgiu a necessidade da invenção de instrumentos que fossem capazes de atingir regiões mais graves na escala.
A solução encontrada foi construir instrumentos maiores, baseados na estrutura dos utilizados normalmente, tomando o cuidado de não efetuar mudanças estruturais que viessem a prejudicar a obtenção dos novos graves. Um dos celeiros de construção foi a Itália. Naquele país, as violas tinham três tamanhos: a da gamba aguda, a tenor e a baixa.
Nesse período, surgiu o violone, que pode ser considerado como o parente mais próximo do moderno contrabaixo de orquestra. No início do século XVII, o violone tornou-se o nome que designava o maior de todos: a viola contrabaixo. Somente após a segunda metade do século XVIII, isso se modificou. Foi quando o contrabaixo separou-se do violone.
Já no final do século XVIII, o contrabaixo adquiriu sua forma estrutural definitiva, passando a integrar as mais diferentes formações musicais como orquestras, big bands e jazz (ragtime, dixland, swing, blues, etc.). O domínio do grande contrabaixo acústico como única opção para a emissão de sons graves perdurou até o ano de 1951. A partir daí, tudo mudaria com a invenção do primeiro baixo elétrico da história, realizada por um técnico de rádio chamado Clarence Leo Fender.

O Pai do Contrabaixo Elétrico

No início dos anos 50, Clarence Leo Fender, perito em eletrônica de rádios e criador da guitarra elétrica que levava seu nome, observou que o contrabaixo acústico apresentava alguns inconvenientes para pequenas formações musicais, como seu tamanho e a sua baixa sonoridade - em comparação com a guitarra elétrica -, o que obrigava os contrabaixistas da época a colocarem microfones para uma maior amplificação do instrumento. Sob esse prisma, Leo Fender, na primeira metade de 1949, iniciou a construção de um instrumento que ficava entre a guitarra elétrica e o grande contrabaixo acústico. Em outubro de 1951, Leo construiu o primeiro contrabaixo elétrico da história, usado pela primeira vez na banda de Bob Guildemann (blues e rock). O instrumento foi chamado de Precision Bass. “O primeiro corpo sólido destinado a ser um instrumento musical foi construído em 1943”, conta Leo. “Nessa época, eu tinha a patente dos sistemas de captadores. Sendo assim, nesse período, eu não estava particularmente interessado em sons musicais e sim em captadores. A amplificação de qualquer sinal me fascinava. O baixo Fender foi o próximo passo da evolução após a guitarra elétrica. Foi uma idéia que se tornou uma obsessão”.
De acordo com Leo Fender, não existiam cordas para contrabaixo elétrico nessa época. Então os músicos usavam cordas de instrumentos acústicos. “Tivemos de cortá-las e adaptá-las em nosso projeto. Nós as revestimos com uma fina liga de aço, permitindo assim que o sinal fosse magnetizado pelo imã do sistema de captadores que tínhamos inventado. Mais tarde, iniciamos a fabricação de cordas específicas para nosso novo instrumento”.
Seu principal objetivo com esse projeto era a comodidade. Além disso, Leo Fender queria construir um instrumento que pudesse oferecer maior sonoridade e que coubesse no porta-malas de um carro. Mas muita gente achou que ele estava ficando maluco. “Alguns amigos diziam que eu estava completamente louco e que eu nunca conseguiria vender isso”. Leo, porém, era um visionário e esses baixistas precisavam de um novo instrumento. E ele iria desenvolvê-lo.
O primeiro modelo foi construído no final dos anos 50. Diversos músicos quiseram experimentá-lo. Mas todos tocavam guitarra e não conseguiram entender como tocariam aquilo. O curioso é que os guitarristas, acostumados com uma outra técnica de execução, não tinham a mínima idéia de como criar “moldes rítmicos” no contrabaixo elétrico, já que todos nunca tinham ouvido, com a devida atenção, as estruturas rítmicas criadas nas músicas executadas no período. Não se esqueçam: todos eram guitarristas.
Muitos dos baixistas que usavam baixos acústicos solenemente desprezaram o novo instrumento. Eles alegavam dificuldade de execução e também que a sonoridade era falsa em comparação à acústica.
As cordas eram afinadas de acordo com os moldes atuais, ou seja, E A D G.
Então, quando esse novo instrumento começou a despontar no cenário artístico mundial, os músicos limitavam-se simplesmente a repetir o que a guitarra fazia, mas uma oitava abaixo.
O grande trunfo dele era, além do tamanho e maior qualidade sonora resultante, o fato de ter um braço mais curto que o similar acústico. Outro ponto positivo era possuir trastes. Isso facilitava muito sua execução.
Foi dessa forma que Leo Fender, em uma chuvosa tarde de dezembro de 1951, batizou seu novo invento. ”Sim, é um instrumento diferente do acústico. Ele possui trastes para uma execução ‘precisa’. É um ‘Precision Bass’”. No próximo capítulo, iremos conhecer como o mundo recebeu essa revolucionária invenção.

“O baixo Fender foi o próximo passo da evolução após a guitarra elétrica. Foi uma idéia que se tornou uma obsessão”
Leo Fender
“Alguns amigos diziam que eu estava completamente louco e que eu nunca conseguiria vender isso”
Leo Fender falando sobre a invenção do baixo elétrico
Com a chegada revolucionária do baixo elétrico na década de 50, aos poucos o instrumento acústico teve suas funções direcionadas a outros estilos. Ele, assim, passou a ser utilizado em locais de ambiência mais apropriada.
Do início dos anos 20 até o final da década de 40, todas as formações musicais, principalmente as grandes bigs bands, utilizavam-se do grande contrabaixo acústico. Carinhosamente conhecido como big dog house (casinha de cachorro grande), os baixistas daquela época “penavam” para extrair uma maior sonoridade dele. Isso porque o contrabaixo acústico, em sua concepção estrutural, foi criado para ser usado em ambiente fisicamente apto para possibilitar uma maior expansão das ondas sonoras. Naqueles tempos, somente os grandes teatros possuíam tal condição. É importante ressaltar que o contrabaixo acústico, ao contrário do baixo elétrico, tem como principal técnica de execução a utilização do arco. Quando essa peça é usada, o nível de sonoridade é compatível com a ambiência. Os baixistas que não trabalham em orquestras sinfônicas, porém, utilizam os dedos para obter o som do instrumento. É justamente aí que os problemas começam. Tocado em forma de pizzicato, a sonoridade diminui drasticamente. Além disso, o pobre contrabaixista daquela época ainda estava cercado de instrumentos de sopro por todos os lados. Fato esse que contribuía, de forma decisiva, para que o som do “gigante” não fosse suficiente audível, comprometendo o resultado da música tocada
O fim do sofrimento
Que sofrimento, não? Mas essa tortura estava perto do fim. Por ironia do destino, o homem responsável por uma das maiores revoluções em termos de instrumentos não era um engenheiro acústico, muito menos um luthier especializado em construção de modelos revolucionários. Como foi dito na edição passada, era um simples técnico de rádio apaixonado por amplificação de sinal sonoro: Clarence Leo Fender.
O criador da guitarra e do contrabaixo elétrico gostava de ouvir música ao vivo. O lendário inventor nasceu na área de Fullerton/Anaheim, sudoeste da Califórnia, em 1909. No final dos anos 30, ele abriu uma oficina de concerto de rádios chamada Fender Radio Service. Seus serviços eram procurados por muitos músicos, principalmente para reparos nos cabos e sistemas de captadores dos violões eletrificados utilizados na época. Mas, para que o primeiro baixo elétrico fosse criado, foi necessário que a guitarra elétrica viesse antes.
Ao efetuar reparos e ajustes nos instrumentos, Leo Fender se preocupava em melhorar o volume e o sinal de saída dos captadores usados para a amplificação. Os instrumentos eletrificados começavam a tornar-se uma constante na oficina do lendário inventor. Dessa forma, no final do ano de 1946, Leo Fender montou uma nova empresa chamada Fender Electric Instrument Co. Foi nesse período que o projeto da guitarra Telecaster nasceu. Apesar de sucesso de vendas, Fender tinha investido muito dinheiro nessa empreitada e o retorno financeiro foi, praticamente, para pagar dívidas. O extraordinário criador precisava de algo novo. Então, observando o tamanho, o desconforto e principalmente a falta de sonoridade, ele resolveu projetar um novo instrumento, algo que pudesse substituir a velha “ casinha grande de cachorro”. Foi no ano de 1951 que o mundo conheceu algo extraordinário. Era um novo contrabaixo! E muito menor que o gigante. Portanto, mais fácil de tocar e transportar
Algo de revolucionário no novo protótipo
Com o corpo maior que o da guitarra Telecaster e provido de quatro cordas - originais do contrabaixo acústico, pois as que seriam utilizadas no instrumento elétrico ainda não tinham sido inventadas -, o novo protótipo possuía algo revolucionário. Ele tinha trastes. Ao contrário do contrabaixo acústico, era possível emitir qualquer nota da escala com absoluta precisão. E foi isso que Leo pensou. “Vai se chamar Precision Bass porque é preciso”. O corpo foi fabricado em ash da cor amarela e foi revestido com um escudo plástico (pickguard) preto. Provido de 20 trastes, o braço foi feito de maple. Os mecanismos de tarraxa eram adaptados do contrabaixo acústico. O sistema de captação era um simples single coil. Existiam também dois knobs. Um para o controle de volume e outro para a tonalidade. Fabricada de inox, a ponte era provida de dois suportes - um para cada par de cordas - construídos de fibra prensada.
As inovações técnicas não paravam nesses quesitos. Antecipando que os futuros músicos utilizariam o polegar para tocar - a exemplo da guitarra elétrica -, foi elaborada uma pequena peça de formato retangular, que possibilitou que o baixista apoiasse os demais dedos da mão direita (indicador, médio e anular) enquanto seu polegar estivesse tocando. Leo Fender denominou tal dispositivo de fingers rest. Existiam ainda duas placas cromadas que cobriam os captadores e a ponte.
É importante ressaltar que essas pequenas engenhocas não tinham apenas função decorativa. O escudo instalado sobre os pick ups, por exemplo, deveria proteger o conjunto de captadores. Por cima da ponte, uma pequena peça de borracha foi concebida com o objetivo de abafar as notas (rubber string mute).
Parece difícil aos baixistas do século XXI, acostumados com a excelente sonoridade de um moderno instrumento ativo plugado em um amplificador de última geração, compreender que o Precision Bass foi concebido com a intenção de imitar o som do baixo acústico. Para entender tudo isso, é preciso aprender a ouvir não somente a música daquela época como também ter conhecimento sobre as profundas mudanças e o impacto que o lendário Precision Bass ocasionou. Pouco a pouco, o gigante teve suas funções direcionadas a outros estilos como o jazz. E, portanto, passou a ser executado em locais de ambiências acusticamente tratadas, nos quais cada nota poderia ser ouvida com toda a dignidade que o contrabaixo acústico merece.


COMODIDADE

Observando o tamanho, o desconforto e principalmente a falta de sonoridade, Leo Fender resolveu projetar um novo instrumento, algo que pudesse substituir a velha “casinha grande de cachorro”. Foi no ano de 1951 que o mundo conheceu algo extraordinário. Era um novo contrabaixo. E muito menor que o gigante. Portanto, mais fácil de tocar e transportar.
CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DO BAIXO ELÉTRICO
O corpo foi fabricado em ash da cor amarela e foi revestido com um escudo plástico (pickguard) preto. Provido de 20 trastes, o braço foi feito de maple. Os mecanismos de tarraxa eram adaptados do contrabaixo acústico. O sistema de captação era um simples single coil. Existiam também dois knobs. Um para o controle de volume e outro para a tonalidade. Fabricada de inox, a ponte era provida de dois suportes - um para cada par de cordas - construídos de fibra prensada.
O primeiro baixo elétrico possuía algumas qualidades. Era leve, fácil de tocar e tinha afinação precisa em virtude dos trastes. Faltava-lhe, entretanto,
um item, ausente também no grande contrabaixo acústico: sonoridade
Entender a denominação dos primeiros contrabaixos é crucial para que se aprenda a identificar as diversas categorias que hoje coexistem em nosso mundo. Primeiramente, dividiremos o instrumento nas categorias vertical e horizontal.
O contrabaixo acústico (upright acoustic bass ou double bass) é o primeiro exemplo de um instrumento vertical. Quando incluído nessa categoria, mas sem sua caixa de ressonância, ele é denominado upright bass. Na categoria horizontal, o baixo elétrico (electric bass) é o melhor exemplo que se pode indicar. Sem os sistemas de captação, o mesmo instrumento é chamado de baixo acústico (acoustic bass guitar). Na língua portuguesa, não há expressão equivalente para o upright bass sem corpo.
Para poder compreender essa nova revolução - uma máquina em que fosse possível amplificar o sinal - é preciso recuar no tempo, mais precisamente até os anos 30, quando os primeiros experimentos com a amplificação tiveram início. O tamanho do “gigante” já incomodava inúmeros observadores naquela época, muito por conta de sua baixa sonoridade (conforme vimos na edição anterior). A primeira solução foi tentar reduzir o volume da caixa de ressonância acústica. A grande questão era que, se o contrabaixo acústico já possuía problemas de expansão sonora, uma eventual diminuição dessa peça implicaria em inventar uma outra forma de expandir o sinal.

Os primeiros passos

Apesar de várias companhias na época terem elaborado diferentes soluções, a Regal Company, situada em Chicago, foi uma das primeiras a destacar-se com seu modelo de upright bass (figura 1). Com o nome de Electrified Double Bass, a propaganda alardeava que esse equipamento era “o sonho de um baixista”. Pois era leve, portátil e tinha a mesma escala do gigante. Poderia ser tocado com arco, dedos ou “slappado”, termo que era usado para a técnica de ragtime. O anúncio ainda mencionava um amplificador com alto-falantes especiais, que poderiam reproduzir o verdadeiro som do contrabaixo. A Regal foi uma das primeiras empresas a testar o conceito de captadores de som (electric pick-up). O instrumento tinha um knob de volume acoplado em seu corpo. O upright da Regal teve um relativo sucesso de vendas, limitando-se a Chicago, capital e outras cidades do interior de Illinois.
Um dos modelos mais famosos foi construído pela Rickenbaker em 1936, desenhadopor George Beauchamp.
Denominado de Electro Bass-violone, foi concebido como uma única peça de metal, dotado de um captador magnético da própria marca (que tinha o carinhoso apelido de “pata de cavalo” – horseshoe – em virtude do seu tamanho).
O interessante é que essa peça era acoplada diretamente no topo do amplificador (figura 2). O som desse baixo singular pode ser conferido em uma gravação realizada em 1929 pela Columbia Records com Henry Allen & His Orchestra, “Feeling Drowsy”.
Talvez essa música não tenha se tornado um hit, mas os especialistas apontam que ela foi, provavelmente, a primeira gravação de um baixo com sinal amplificado.
Outro instrumento que, por seu ousado design, merece ser destacado é o Vega Electric Bass (figura 3), construído em seis partes de madeira diferentes. O braço e a escala possuíam tipos distintos de regulagem. Dois knobs (um de volume e outro de tonalidade) foram instalados do lado do braço do instrumento.
O Vega ainda possuía um tripé para oferecer sustentação quando executado, com vários níveis de altura e uma escala apta a receber qualquer tipo de corda (as primeiras de contrabaixo acústico eram feitas de tripa de carneiro, passando posteriormente a ser fabricadas de metal). O equipamento ainda vinha com um amplificador de 18W que tinha uma borracha especial para evitar vibrações originadas de freqüências mais graves.
O pioneiro Tutmarc
Em 1941, os Estados Unidos estavam na II Guerra Mundial. Por esse motivo, todas as pesquisas e o desenvolvimento de novos instrumentos ficaram momentaneamente paralisados em virtude disso. Aconteceu então a grande volta do contrabaixo acústico - é bom lembrar que estamos tratando da origem do sinal amplificado. Leo Fender concebeu o Precision Bass em 1951 como um instrumento que dependia de um sistema de amplificação para expandir o envio do sinal.
Então algo histórico ocorreu. No começo dos anos 30, um guitarrista chamado Paul H. Tutmarc construiu um upright vertical com um captador magnético em sua empresa, a Audiovox Manufacturing, localizada em Seatle. Embora esse instrumento nunca tenha sido produzido em escala industrial, representou um importante passo para o projeto de um outro ainda mais radical.
Em 1935, Tutmarc teve uma brilhante idéia: construir algo mais leve, que pudesse substituir o upright construído anteriormente. “Por que não construir um pequeno baixo elétrico que pudesse ser tocado de forma horizontal, como uma guitarra?”, raciocinou Tutmarc. Esse conceito tornou-se realidade por meio do modelo Audiovox
Model 736 Electronic Bass (figura 4). Tratava-se de um instrumento com corpo sólido, trasteado, quatro cordas e equipado com um captador magnético, capaz de gerar som sem o auxílio de um amplificador independente. Ele tinha ainda um escudo feito de plástico e ponte de metal. A madeira usada era a mesma da produção dos upright. Seu preço? U$65. Os historiadores estimam que 100 modelos do Audiovox 736 foram construídos, sendo sua aceitação delimitada à área de Seatle. E aí surge uma grande questão. Leo Fender sabia da existência do Tutmarc Audiovox 736 antes de iniciar a construção do seu lendário Precision?
Em um artigo publicado na Vintage Guitar magazine, John Teagle especula sobre esse fato com Richard R. Smith, autor do livro Fender: The Sound Heard´s Round the World. Smith fez muitas entrevistas com Leo Fender e, em nenhuma delas, o lendário inventor referiu-se ao projeto Audiovox. “Em nenhum momento, Leo mencionou esse instrumento. Ele e Don (Don Randall – sócio de Leo) tinham conhecimento do Rickenbaker Electro e do Gibson Mando Bass. Estou convencido de que tais fatos se deram em uma linha quase paralela de evolução, em épocas diferentes da história. O Audiovox foi uma grande idéia, mas era algo muito avançado para a época”, revelou Smith.
O sinal do Precision precisava ser amplificado no ano de 1952. Assim, Clarence criou o revolucionário Fender Bassman (figura 5), especialmente desenhado para a reprodução do som do contrabaixo. Ele possuía um alto-falante Jensen de 15 polegadas e 26W de potência. Infelizmente, pouquíssimas pessoas especializadas no instrumento tiveram a honra de ouvir um Precision Bass plugado em uma máquina dessas. O designer Rich Lasner foi um desses iluminados.
“Toquei em um Precision acoplado em um Bassman com médio volume e fiquei prestando muita atenção ao que ouvia. Era realmente um som de contrabaixo acústico”. A segunda parte da equação estava resolvida.
“ESTE CARA ENLOUQUECEU!”
Entusiasmo, preconceito ou simplesmente medo do novo? Sem contar com a mídia a seu favor, Leo Fender começou a divulgar seu novo invento junto a lugares e pessoas que poderiam se interessar pelo Precision Bass. Foram os primeiros passos de um instrumento que iria alterar, com sua sonoridade, a música em nosso planeta.
Estamos em 1952. Local: um bar em Nashville, no Tennessee. Já naquela época, a música country era a preferida em muitos lugares. De repente, um respeitável senhor entrou com um estranho instrumento na mão.
Os freqüentadores comentaram:
- Parece uma guitarra, mas é maior!
- Aquele não é Leo Fender, o cara que inventou a guitarra elétrica?
- É ele mesmo! Imagine que ele está com uma nova invenção: um baixo elétrico!
Até que ele teve uma boa idéia quando fez a guitarra elétrica, mas... um baixo? Este cara enlouqueceu!

Salvo raras exceções, estes eram os comentários que nosso herói ouvia por onde quer que levasse o seu pioneiro Precision Bass - um instrumento estranho para a maioria dos baixistas, menor, mais leve, que poderia emitir as notas com maior sonoridade e precisão pela presença de trastes, no qual o sinal era amplificado - para que fosse testado pelos usuários das quatro cordas.
Eram tempos difíceis para o lendário inventor - não se esqueça que a guitarra elétrica ainda estava em sua infância. Apesar de ter um imediata aceitação pelos músicos na época, ela era algo totalmente novo e, como tudo que é novidade neste mundo, os puristas de plantão já apareciam com um amontoado de críticas, muitas delas sem o menor sentido. O criador do “P bass” (como era carinhosamente chamado o primeiro baixo da história) enfrentou resistências muito maiores do que com a lendária Telecaster em seus primeiros tempos.
Naquela época, o marketing para um produto como o Precision Bass era inviável. Panfletos e pequenos anúncios foram uma solução econômica.
A figura 1 ilustra um dos primeiros prospectos, com a figura do Precision junto ao nosso conhecido Bass Man.
A solução foi entrar com a cara e a coragem no lugar onde os baixistas pudessem conhecer sua invenção - gravadoras, shows e bares - mas com uma pequena observação: que todos os locais trabalhassem com música country, o estilo preferido de lendário inventor.
As coisas começaram mal, já que muitos poucos baixistas se interessaram pela novidade. Uma exceção foi Joel Price, que comprou o primeiro Precision Bass e o levou para Nashville para tocar na Orquestra Grand Ole Opry, no final de 1952.
Os baixistas que tocavam o “gigante” na época argumentavam que o instrumento de Fender, apesar de mais leve, não tinha uma sonoridade satisfatória (os médios, em algumas freqüências, sobrepunham-se aos graves).
Além do mais, por ser um instrumento completamente diferente do baixo acústico, a técnica ao tocar tinha que sofrer drásticas mudanças, que não estavam sendo bem aceitas pelo músicos, seja por comodismo ou simplesmente pelo medo da novidade.
Os avanços mais promissores, por um capricho do destino, não vieram do estilo do qual Leo tanto gostava. O jazz foi a porta de entrada do revolucionário instrumento. No final de 52, ele encontrou o vibrafonista e bandleader Lionel Hampton.
Muitos anos depois, o próprio Hampton contou a história ao baixista Christian Fabian. “O Lionel me contou que ele tinha uma jazz session com seu baixista Roy Johnson. Foi quando encontraram ‘aquele cara com aquele troço” (risos). Roy ficou curioso e resolveu experimentar o novo baixo. No decorrer do ensaio, ele notou que muitas pessoas (inclusive ouvintes e músicos) estavam prestando uma maior atenção não somente no Precision como também na sonoridade que ele produzia.
A superioridade sonora sobre o velho gigante era evidente”, relembra Fabian. Leo ficou tão contente com os resultados daquela histórica tarde que resolveu deixar o instrumento para Roy experimentar em seu trabalho, não sem antes deixar seu telefone de contato, no caso de algum baixista se interessasse pelo instrumento. Um mês depois, Leo já tinha recebido mais de 100 pedidos!
Em 30 de julho de 52, o jornalista Leonard Feather, da revista Down Beat, publicou uma reportagem com um fato ocorrido durante a gig de Lionel Hampton. A reportagem mencionava que todos os presentes estavam surpresos, pois alguma coisa estava errada com aquela banda. “As pessoas perguntavam onde estava o baixista? Ele não estava lá, mas todos podiam ouvir o som do instrumento”, conta Feather. “Teve gente que ficou pasma ao pensar que haviam dois guitarristas... Só que um olhar mais atento revelava que o novo instrumento não tinha seis, mas quatro cordas, além de ter o formato um pouco maior que a guitarra tradicional”.
Finalmente, o quadro se completou: o baixista estava tocando um novo instrumento! A dramática mudança que o reforço nos graves propiciou à banda - sonoridade, novas timbragens, possibilidade de experimentar novos moldes harmônicos, melódicos e rítmicos, sem falar na repercussão favorável na mídia da época - fizeram com que Hampton decidisse incorporar, de forma definitiva, o baixo elétrico em seu trabalho. Todos esses personagens, mais algumas centenas de baixistas, estavam mudando, sem saber, o curso da história da música.
No final daquele ano, o baixista Monk Montgomery (irmão do guitarrista Wes) substituiu Johnson na banda de Hampton.
“Antes de entrar no grupo, Lionel disse que eu teria que tocar em um baixo elétrico. Não somente eu como vários baixistas, que amavam o contrabaixo acústico, considerávamos a invenção de Leo como um instrumento de segundo plano.
Éramos adversários ferrenhos do Precision, mas procurei esquecer tudo isso e me adaptar aos novos tempos”, conta Montgomery.
A figura 2 ilustra uma peça publicitária realizada no final dos anos 50, na qual Monk aparece com um P Bass.
O jazz ainda ajudou o P Bass por meio da figura do baixista Shifte Henry, que trabalhava em Nova York em diversos grupos.
O músico não apenas aprovou o primeiro baixo elétrico da história como também foi seu primeiro endorser (figura 3).
Apesar do relativo sucesso obtido no meio jazzístico, o Precision Bass conseguiu finalmente atingir a sua merecida fama em outro segmento, no qual o velho Leo jamais sonhou: o rock & roll. Mas esta é uma história para a próxima edição....

O Autor
Nilton Wood
• Professor de contrabaixo no Instituto de baixo e tecnologia do EM&T, e editor técnico da revista Cover Baixo. Foi coordenador e professor de várias escolas e projetos de músicas, como, conservatório Souza Lima, Conservatório Brooklin Paulista, Centro Experimental de música do Sesc, entre outros. Participou também de importantes Orquestras Sinfônicas do País, bem como de diversos trabalhos de Música de Câmara.
Sua especialidades de ensino são:
• Técnicas avançadas de Mão Esquerda.
• Técnicas avançadas de Mão Direita
• Double Thumb Pluck Technique.
• Thumb Technique.
• Tapping.
• Técnica de contrabaixo Fretless – 4, 5 e 6 cordas.
• Harmonia, arranjos e improvisação.







Nenhum comentário: